Não podemos deixar a pandemia impedir a mulher de ir ao médico, alerta Natasha Slhessarenko

O Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), órgão do Ministério da Saúde, estima que para cada ano do triênio 2020-2022 o Brasil irá registrar 66.280 mil novos casos de câncer de mama em mulheres. Em Mato Grosso, a estimativa é de 560 novos casos de mulheres com câncer de mama somente neste ano de 2020, e, 160 novos casos na capital Cuiabá. Esse contexto corresponde a um risco estimado de 61 casos novos a cada 100 mil mulheres.

Diante desses números e da campanha internacional que colore da cor rosa as fachadas de órgãos, empresas e instituições alertando para a conscientização do controle do câncer de mama, o FocoCidade também aderiu ao “Outubro Rosa” e entrevistou a empresária e médica Natasha Slhessarenko que também é conselheira no Conselho Federal de Medicina (CFM) e Diretora médica de análises clínicas em vários laboratórios de Mato Grosso.

Na Entrevista da Semana, Natasha Slhessarenko, esclarece diversas dívidas de mulheres e homens sobre o câncer de mama e aprofunda o assunto falando sobre o avanço da medicina que já detectou o genoma causador da doença e assim pode oferecer um tratamento personalizado. A médica cuiabana que é pediatra e patologista, ambas com residência na Universidade de São Paulo, além de mestrado e doutorado na própria USP, aborda aspectos da prevenção, causa, tratamento e preconceito da doença.

“Mudanças de hábitos, como não abusar do álcool, do fumo, ter uma vida com atividades físicas, alimentação mais saudável e manter o peso, ajudam, mas a detecção do câncer de mama no início da doença ainda é a melhor forma de diminuir as chances de morte. É verdade que estamos vivendo um Outubro Rosa, meio diferente com a pandemia da Covid-19, mas de qualquer forma é tempo de se cuidar. Não podemos deixar que a pandemia impeça a mulher de ir ao médico e fazer seus exames de prevenção”.

Confira na íntegra a entrevista: 

Dra Natasha, o que é o câncer de mama e qual a sua causa? 

O câncer de mama assim como todo e qualquer câncer é uma proliferação anormal de células, ou seja, é um aumento no número de células com características ruins. Células que se multiplicam muito rápido e não são iguais as suas células de origens que são habitualmente normais. A todo instante nosso organismo produz células cancerígenas, mas o nosso sistema imune mata essas células, não deixa essas células evoluírem. A partir de um dado momento se existe aí um fator genético, um fator ambiental, que perpetua o crescimento e a proliferação dessas células cancerígenas o câncer então pode se instalar.

Agora a causa do câncer de mama, não se sabe ao certo a causa de muitos tipos de câncer, mas do câncer de mama já sabemos que existem mulheres, assim como existem homens – porque existe câncer de mama em homens, que tem aí uma mutação, ou seja, uma mudança no seu gene e que podem então favorecer o aparecimento do câncer de mama. Então sabemos que mulheres ou homens que tenham a mutação num pedacinho do gene chamado BRCA1 e BRCA2, eles têm uma predisposição maior para ter um câncer de mama.

Então através de um mapeamento genético é possível identificar o risco para o câncer de mama?  

O sequenciamento dos genes BRCA1 e BRCA2 é um exame que pode identificar os portadores desse risco genético, ou seja, é possível identificar se existe uma mutação dos genes associados a este tipo de câncer. Ao verificar esta alteração e a existência do risco pode-se estabelecer um plano de vigilância, no qual a mulher irá realizar anualmente ressonâncias e mamografias desde idade precoce, permitindo assim um tratamento menos agressivo e menor chance de morte.

O acesso a esse exame, hoje é mais facilitado, por ter sido incluído no rol de exames genéticos cobertos pelos planos de saúde. O exame consiste na recolhida de uma amostra de DNS que pode ser de sangue ou saliva, para ser analisada em laboratório.

Só existem um tipo de câncer de mama? 

Não. Existe mais de um tipo de câncer de mama. O câncer de mama mais comum é o adenocarcinoma de mama, mas existem outros.

Existem pessoas mais propicias a terem esse tipo de câncer?  

Mulheres e homens que tenham essa alteração genética ligada ao gene BRCA1 e BRCA2 têm então uma pré-disposição maior a ter um câncer de mama. É o caso por exemplo da atriz Angelina Jolie que tinha vários antecedentes familiares com câncer de mama. Ela fez o exame genético e detectou que ela também tinha aquela mutação que a deixava mais susceptível à ter o câncer de mama. Por isso então ela fez a mastectomia bilateral, então ela tirou ambas as mamas bilateralmente para então não correr esse risco de ter o câncer de mama.

Existem outros fatores de risco também que são responsáveis por uma maior incidência do câncer de mama: mulheres obesas, mulheres sedentárias, mulheres que não tiveram filhos ou mulheres que amamentaram muito pouco tempo, mulheres fumantes, todos estes são fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de mama, sem contar no histórico familiar.

No caso dos homens, eles são afetados em que proporção? 

Numa proporção muito menor, mas o tecido mamário também está presente nos homens só que em uma quantidade muito menor. Mas uma vez que eles têm glândula mamária eles podem desenvolver o câncer de mama, principalmente se tiverem essa mutação BRCA1 e BRCA2 no gene.

Como funciona o tratamento, prevenção e existe uma cura? Pois muitas pessoas que tiveram doença voltam a ter. 

O tratamento depende muito do estágio do câncer. Quando se descobre fazendo uma mamografia, quando se descobre em um exame de rotina sem a mulher sentir nada, isso é maravilhoso porque isso significa que o câncer foi descoberto em uma fase inicial e quanto mais precoce for descoberto maiores são as chances de cura.

A prevenção realmente é a realização de visitas periódicas ao médico ginecologista e mastologista, que a mulher faça o autoexame das mamas em frente ao espelho sob orientação do médico pois é importante a mulher saber como se auto examinar. Mas não deve ser apenas o autoexame o único exame que a mulher faça para a prevenção do câncer de mama. A mulher deve fazer mamografias a cada ano, depois dos 40 anos ou antes disso se tiver história familiar de câncer de mama.

Existe cura, claro. Como o tratamento vai depender o estágio, às vezes é só tratamento cirúrgico, às vezes é cirúrgico com quimioterapia e radioterapia, depende do estágio em que se fez o diagnóstico. Quanto mais precoce foi diagnosticado, maior a chance de cura. Por isso a importância de se fazer exames preventivos.

Por que muitas pessoas voltam a ter, porque o tumor foi descoberto em uma fase que já tinha dado a metástase, esse é o mais comum, por ele já ter se espalhado e ficado células no organismo que não morreram com o tratamento, seja uma cirurgia, seja com a quimioterapia, ou seja com a radioterapia.

Quais mudanças de hábito podem diminuir a chance de desenvolver o câncer de mama? 

São várias. Uma vez que se sabe que tem o componente genético, eu faço exame deu BRCA1 e BRCA2 positivo, tem histórico familiar de várias mulheres com câncer de mama na família, o que eu tenho que fazer: acompanhar mais de perto. Por exemplo fazer semestralmente as consultas e exames.

Agora de maneira geral as mulheres podem manter-se dentro do peso, fazer atividade física, não abusar do álcool, não abusar do fumo, amamentar, pois, a amamentação é um grande fator de proteção para a mulher além de fornecer par ao bebe o melhor e mais completo alimento que essa criança precisa até o sexto mês de vida. Também ter uma alimentação mais saudável, natural rica em legumes, verduras e frutas, hortaliças e a pratica de exercícios também diminui a incidência do câncer de mama.

A mulher que teve câncer de mama poderá amamentar? 

É claro que pode, depende de como foi feito esse tratamento. Se ela teve tirar por exemplo toda uma mama, ela terá somente uma mama para amamentar, mas ela pode e deve amamentar.

Como a doença abala os pacientes, é necessário deixar de trabalhar, existe preconceito? 

Com certeza ainda existe. O preconceito em todos os sentidos, seja com relação à doença como o câncer de mama, ou uma doença como a sífilis ou Aids, o racial, de gênero, ou qualquer tipo de preconceito é sempre muito prejudicial e ruim, e, deve ser banido, rebatido. Devemos tentar trabalhar e viver sem os preconceitos, de maneira muito mais leve e feliz.

Quando, pelo câncer de mama, ela precisa parar de trabalhar durante o momento que tiver passando pelo tratamento, durante o momento de fazer uma quimioterapia, depois ela volta ao trabalho normal.

Quais os avanços da medicina para o tratamento do câncer de mama? Existem novidades? 

O câncer é uma das áreas da medicina que mais tem se desenvolvido, especialmente por que se têm conhecido mais a genética do câncer. Então quando conhecemos a genética do tumor a gente sabe qual é o tipo de tumor que está envolvido, o tipo de receptor, a resposta daquele tumor para as medicações, tudo isso faz com que o tratamento seja altamente personalizado.

As novidades são essas de fazer uma terapia altamente personalizada, voltada para aquele tipo de tumor e para aquela paciente e isso se faz através do exame genético.

Na sua visão qual a importância da campanha Outubro Rosa, neste momento que também enfrentamos a pandemia da Covid-19? 

Muito grande, o Outubro Rosa vem para trazer mais um ano à tona da importância da mulher fazer o diagnóstico precoce do câncer de mama, da mulher se cuidar, de fazer exames preventivos. Porque quando fazemos exames sem sentir nada a chance de a doença estar numa faze muito pequena, inicial e ter sucesso absoluto no tratamento é muito grande. Então as mulheres devem realmente tirar no mês de outubro, um ou dois dias, para procurar seu médico, se cuidar seja contra o câncer de mama que hoje o mais frequente nas mulheres, só perde par ao câncer de pele. É fundamental que as mulheres tenham essa consciência, que elas se cuidem.

Nós mulheres estamos sempre acostumadas a cuidar da vida de todo mundo: cuidamos da casa, dos filhos, do marido, dos nossos pais, dos nossos irmãos e sobra pouco tempo para nos cuidar, então é importante que neste mês de outubro a gente faça isso.

É verdade que estamos vivendo um Outubro Rosa, meio diferente com a pandemia da Covida-19, mas de qualquer forma é tempo de se cuidar, nós não podemos deixar a pandemia impeça a mulher de encontrar seu médico, fazer seus exames de prevenção ao câncer de mama, ao câncer ginecológico. Tudo isso é importantíssimo e faz parte desse cuidado que devemos ter todos os anos.

Qual sua mensagem para as mulheres neste “Outubro Rosa”. 

Gostaria de terminar a entrevista com um pequeno trecho do autor Fernando Sabinho, ele diz o seguinte: “De tudo ficaram três coisas a certeza de que estamos apenas começando, a certeza de que devemos continuar e a certeza de que podemos ser interrompidos antes de continuar. Por isso façamos da interrupção um belo e lindo caminho. Façamos da queda um paço de dança, façamos do medo uma escada e façamos dos sonhos uma ponte”.

Que a gente nunca perca a esperança e a vontade de sonhar.

 

Fonte: Foco Cidade