Todo excesso é um risco. A vida pede equilíbrio, crava Larissa Slhessarenko

Rafaela Maximiano

O tema saúde mental nunca esteve tão presente como nos últimos dias. O mundo vivenciou a morte de milhares de pessoas pela covid, pela fome e agora pela guerra. No Brasil especificamente após meses de embates políticos que saíram do campo ideológicos e invadiram os lares, escolas e trabalho, causou inimizades e até mortes, culminou em cenas de terrorismo com a depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília.

Iniciamos o ano em desequilíbrio, mas paralelamente também vivemos o Janeiro Branco, campanha que promove o debate a respeito da importância da saúde mental. Sobre o assunto o FocoCidade conversou com a psicóloga Larissa Slhessarenko Ribeiro. Segundo ela, problemas como depressão e ansiedade estão entre as principais doenças mentais que acometem a nossa sociedade atualmente.

“Todo esse quadro de pandemia, guerra, embates políticos, crise econômica, atormenta muito as pessoas, causa um desequilíbrio social muito grande”, pontua a especialista.

Além de esclarecer sobre o objetivo da campanha, o significado de ter saúde mental, as principais doenças mentais atualmente, a Entrevista da Semana aborda: equilíbrio emocional, sinais de alerta, como o trabalhador e o empregador podem impedir o afastamento por doenças mentais e quando buscar ajuda profissional.

Sobre a invasão dos Três Poderes em 8 de janeiro, a psicóloga crava: “todo excesso encobre uma grande falta, um vazio. E não se preenche vazios emocionais fazendo coisas muito abusivas… talvez o tema do Janeiro Branco desse ano ‘A vida pede equilíbrio’ seja a resposta”.

Larissa Slhessarenko Ribeiro é psicóloga, especialista em Comportamento Humano nas Organizações; especialista em Gestão em Saúde Coletiva; especialista em Acupuntura; especialista em Avaliação Psicológica; Mestre em Administração de Recursos Humanos; Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica e coautora de diversos livros.

Boa leitura!  

Qual objetivo da campanha Janeiro Branco e o que significa ter saúde mental? 

É uma campanha que iniciou em 2014, é um momento provocativo, de reflexão, de pausa também, e, de conscientização da importância da saúde mental. Se não estivermos bem mentalmente, também não estaremos em nenhum âmbito.

Ter saúde mental é ter equilíbrio das nossas emoções, é buscar esse equilíbrio. Todos somos seres humanos e o que nos humaniza são as emoções. O que nos difere é a frequência e a intensidade com que sentimos as emoções. Por exemplo, o sentimento de raiva, todos temos, mas nos difere a frequência e a intensidade que cada pessoa sente. A maneira com que a pessoa vai lidar se ela tem raiva poucas vezes e outra sente 20 vezes por dia. Uma pessoa pode sentir raiva e passar por cima já outra tem raiva e quer destruir o mundo. A intensidade e a frequência com que cada pessoa lida com esse sentimento. Então a saúde mental busca esse equilíbrio.

A grama do vizinho é mais verde”, mas cuidado essa grama pode ser falsa.

E como alcançar esse equilíbrio emocional e consequentemente a saúde mental? 

Através do conhecimento. A pessoa quer viver melhor? Se conheça. Não tem outro caminho.

Quais as principais doenças mentais que estão afetando a população atualmente, principalmente após termos vivido uma pandemia, a polarização e discussões políticas, guerra e crise econômica? 

É bastante complexo definir, mas falando em âmbito maior, percebe-se a ansiedade, que inclusive já faz parte da gente. Nós somos seres de tomada de decisão. Dizem alguns autores que a gente toma de 15 a 20 mil decisões por dia. Nós acordamos, ao despertar a mente, ainda de olho fechado, já se toma uma decisão: levanto ou não levanto? Tomo banho ou não? Banho demorado ou rápido? Lavo o cabelo ou não? Só para exemplificar como somos seres de tomada de decisões pois muitas dessas decisões já são automáticas. Mas também as decisões implicam em uma angustia ou ansiedade da escolha. Será que deveria ter lavado o cabelo? Não deveria ter demorado tanto no banho, ou seja, será que a outra opção teria sido melhor? Isso angustia.

A questão da ansiedade é nato nosso por sermos seres de tomada de decisão. Então os quadros ansiosos percebemos muito e também o quadro de depressão. Importante explicar que a ansiedade é um aceleramento e a pandemia que fez a gente frear o ritmo de vida, mas nos acelerou internamente e fez a gente se voltar internamente, estar consigo mesmo, e isso angustiou muita gente.

A ansiedade é um ‘depressa’ – tenho que fazer rápido e melhor, não basta fazer tem que ser o melhor. Essa ansiedade vem tão depressa que pode chegar a uma depressão, que é um depressa grandão. “Eu vim tão depressa na vida que pode ser que vire ‘um depressão’”. A palavra depressão significa também uma irregularidade: “eu vim tão depressa na vida que cai numa depressão (afundar)”. Toda depressão vem com ansiedade associada, mas nem toda ansiedade vira depressão.

Nessa ânsia de fazer rápido e de ser o melhor entra as questões das vaidades, das pessoas não quererem perder, quererem destaque, ser o melhor, e acabam entrando em níveis de competição maiores e isso intoxica, envenena e acaba naquela velha frase: “A grama do vizinho é mais verde”, mas cuidado essa grama pode ser falsa.

Todo esse quadro de pandemia, guerra, embates políticos, crise econômica, atormenta muito as pessoas, causa um desequilíbrio social muito grande. Interessante pois o tema deste ano da campanha Janeiro Branco é “A vida pede equilíbrio”.

Por exemplo: para dar respeito é preciso se respeitar primeiro.

Existe um perfil de quem mais está mais ou menos sujeito a ter problemas mentais? Existem sinais de alerta? 

Algumas pessoas apresentam sim. Normalmente elas sinalizam e a gente não vê. Porque não consegue ver, ou não quer ver também. Fazendo um parêntese com o Setembro Amarelo, que trabalha com a prevenção ao suicídio, em casos que atendo temos jovens que se deprimem e chegam a esse quadro de suicídio As famílias deles têm medo de perguntar. Acham que falar podem estimular.

Este momento que o site está proporcionando para falar sobre o assunto é uma das formas de prevenção, reflexão e conscientização. Então quando pergunta do perfil de quem está mais sujeito a ter problemas mentais é importante dizer: as famílias não falam sobre esses problemas. Elas temem, não perguntam se a pessoa está bem, está mudando hábitos; às vezes também tem medo da resposta da pessoa. As pessoas que convivem têm medo de entrar nesse campo com medo de não saber o que fazer por suas próprias inseguranças ou medo e também por não saber como lidar.

Os sinais são mudanças de comportamento, mudança de padrão, temos que observar as pessoas e a si mesmo. É preciso primeiro se auto avaliar pois se conhecendo melhor também é possível observar melhor o outro e manter uma conexão mais forte. Então não se trata de um perfil, mas sim da mudança de padrão de comportamento. Caso identifique uma pessoa por exemplo que sempre foi feliz e comunicativa e de repente muda, se torna introspectiva e quieta, ou ao contrário, é preciso conversar com essa pessoa independentemente de você ser um profissional ou não. É preciso ouvir essa pessoa e ajuda-la e se for o caso ajudá-la a encontrar um médico, um profissional também.

Toda vulnerabilidade é um ato de coragem. A pessoa reconhecer que precisa de ajuda, que não está bem, reconhecer suas emoções e buscar ajuda é um ato de coragem. Dizem que de quatro pessoas uma não está bem. Sinceramente para mim as quatro pessoas não estão bem, porém três lidam de melhor maneira e uma não.

Segundo a Agência Nacional de Saúde, problemas mentais causam afastamento no trabalho. Como o trabalhador pode se cuidar e como o empregador pode contribuir para se evitar esse quadro? 

No caso do trabalhador é ter o autoconhecimento, começar a se perceber, toda história importa e buscar uma saída, uma solução. O empregador, as empresas, oferecer espaços, ambientes para as pessoas falarem, se colocarem, se sentirem bem. Pode até ser o setor de Recursos Humanos ou Departamento Pessoal, para evitar os afastamentos por questões emocionais.

Tenho 30 anos dentro da psicologia e a psicologia tem 60 anos no Brasil, por muito tempo falávamos que quando a pessoa ia trabalhar ela deixava a vida em uma mochila do lado de fora da empresa. Hoje entendemos que não tem como. É difícil de dissociar. Deveríamos ter espaços dentro das empresas para trabalhar essas emoções também. E, por outro lado existem as pessoas com queixas reais e existem as pessoas que podem forjar e esse é o medo do empregador. Porém do meu ponto de vista, uma pessoa que simula para não ir trabalhar também tem um problema. Isso é manipular, patologicamente essa pessoa tem comprometimento também.

Qualidade de vida a gente avalia pelo grau de funcionalidade da pessoa. O funcionar é em tudo: se a pessoa consegue fazer a higiene sozinha, trabalhar, estudar, raciocinar, e, emocionalmente está funcionando bem? Lida bem com as emoções que ocorrem? As pessoas hoje estão muito na força do ódio, porque não na força do amor?

É importante se perguntar: eu quero ser bem tratada, mas eu trato bem os outros? Eu quero ser bem cuidada, mas eu cuido bem do outro? Além da premissa que a pessoa só pode dar o que ela tem. Por exemplo: para dar respeito é preciso se respeitar primeiro. Então, respeite-se, observe-se, perceba-se e sinta; são verbos que devemos conjugar nesse tempo de Janeiro Branco.

A falta de respeito e a comunicação violenta, tanto na família quanto nas relações sociais pode prejudicar a saúde mental? 

Com certeza. Somos seres de significação, precisamos dar sentido e significado nas coisas. Porque Janeiro Branco, por exemplo, o ser humano é ritualístico. Um ano é sempre muito importante na nossa vida e a gente tende a viver uma coisa de cada: um aniversário, um natal, um ano novo, umas férias, um carnaval, uma pascoa, um dia das mães, um dia dos pais. Passou todos, fecha e inicia de novo. E janeiro é início de um ciclo e nós colocamos sentido nisso tudo por sermos seres de significação. Como temos vivido “na força do ódio”, com falta de paciência até com a gente mesmo.

O certo seria a pessoa perceber que está agindo diferente com ela mesma e com os outros, está sendo violenta com ela mesma e com os outros, está agindo com falta de respeito e não está se respeitando, perceber e buscar mudar. Se eu quero um resultado diferente, eu preciso fazer algo diferente.

As pessoas estão realmente alteradas, pouca coisa é muita, vemos brigas de vizinhos, brigas nas famílias, no trânsito. Eu costumo dizer que um dia após o outro é muita coisa, devemos começar a dizer: “um momento após o outro”. Não sabemos qual o momento que cada pessoa está vivendo.

Tudo vale mais que a nossa vida, nosso bem-estar, nosso equilíbrio?

Com relação ao fato ocorrido no dia 8 de janeiro onde as sedes dos três Poderes em Brasília foram invadidas e depredadas, alguns especialistas estão denominando essas pessoas envolvidas como fanáticos. Qual sua avaliação?  

Estão designando de várias formas e será difícil chegar a um consenso pois estamos falamos de comportamento humano. Todo excesso encobre uma grande falta. Quando você me diz que alguns estão denominando de fanatismo, esse termo significa excesso. O fanático ele fica voraz por algo, ele sangra, coloca as vísceras para fora por algo que acredita. Ele é cego, surdo e mudo.

Mas é complicado ter um consenso sobre todas as pessoas que estiveram ali justamente porque cada um tem sua história de vida e toda história importa. Olhar para trás e perceber que às vezes os piores dias da vida de uma pessoa foram o que a fizeram melhor. Sempre digo que as pessoas mais interessantes são as que tem histórias para contar.

Mas voltando à pontuação da pergunta estamos em desequilíbrio e fora da medida principalmente nas questões políticas. Nós temos o direito e devemos sim nos posicionar, de falar, mas eu não tenho o direito de ser cruel com ninguém. É preciso saber falar e existem limites.

Todo excesso encobre uma grande falta, um vazio. E esse fato que você citou ocorreu um grande excesso e não se preenche vazios emocionais fazendo coisas muito abusivas. Por exemplo, se engana que acha que preenche vazios emocionais fumando, se drogando, bebendo, comendo demais, etc. Repito que há um desequilíbrio muito grande e talvez o tema do Janeiro Branco desse ano “A vida pede equilíbrio” seja a resposta.

Em que momento a pessoa deve buscar ajuda profissional e começar a cuidar da mente? 

Tem uma história que conto sempre nas palestras, sobre um homem que comprou uma televisão. Uma televisão moderna, grande, linda e cara. Colocou na sala dele e um dia o aparelho deu problema. O homem pensando que poderia ficar sem o equipamento que adorava nem pensou em tentar arrumar sozinho, chamou um especialista. Esse mesmo homem passado um tempo teve problemas emocionais, mas pensou: “vou dar jeito”, “vou ficar bem”, “não preciso de especialista/psicólogo/médico eu mesmo resolvo”. Moral da história: para a televisão o técnico, o especialista, para si mesmo nada.

Vemos aí a inversão de valores, tudo vale mais que a nossa vida, nosso bem-estar, nosso equilíbrio?

Outro ponto medicamento é medicado pelo médico, vem da palavra médico. Psicólogo não medica. Então se você tem um médico que costuma ir pode conversar com ele também, ele vai orientar também, ele vai no sintoma vai medicar por exemplo uma insônia, mas quem entende e trata desse desequilíbrio emocional, a causa de a pessoa estar sem dormir é o psicólogo.

Importante também não esperar “cair no fundo poço”. Aprenda a se conhecer, se entenda, quando perceber que não está bem, procure ajuda profissional. Temos que buscar o conforto emocional se sentir desconforto emocional fique atento e procure ajuda.